A FESF-SUS e a Gestão por Resultados na Saúde da Família
A Fundação Estatal Saúde da Família – FESF-SUS – foi instituída por diversos municípios baianos, com o importante apoio do Governo do Estado da Bahia, como uma entidade interfederada, 100% pública, dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e utilidade pública. Tem fim exclusivo de, no âmbito do Sistema Único de Saúde do Estado, desenvolver ações e serviços de atenção à saúde, em especial a estratégia de saúde da família, de acordo com as políticas de saúde dos municípios, da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia e do Ministério da Saúde.
A FESF, como ente interfederado instituído pelos Municípios da Bahia, deve participar de um conjunto de ações voltadas para o Desenvolvimento Interfederado da Estratégia de Saúde da Família, juntamente com os próprios municípios participantes e não participantes da FESF, e com o Governo do Estado.
Dentre estas ações, destaca-se o desenvolvimento de mecanismo de remuneração variável, baseado em processos e alcance de resultados, e associado ao desenvolvimento funcional do trabalhador em uma carreira com mobilidade e que abarca todas as regiões do Estado.
Contudo, “o trabalho em saúde não é completamente controlável, pois se baseia em uma relação entre pessoas, em todas as fases de sua realização e, portanto, sempre está sujeito aos desígnios do trabalhador em seu espaço autônomo, privado, de concretização da prática.” (Feuerwerker, 2005).
Controlar o trabalho em saúde, portanto, não é o objetivo da FESF-SUS ao lançar mão da estratégia de gesto por resultados, já que entendemos a questão de forma semelhante a Campos (2000), quando ele afirma que “a principal forma para comprometer os trabalhadores com a produção de Valores de Uso (ou seja, necessidades sociais relativas a outros sujeitos) estaria não em controla-los, aproximando-os da condição de objetos, mas em estender-lhes poder, de maneira que a tarefa de produzir valores de uso transforma-se também em obra deles próprios.”.
Por outro lado, espera-se da FESF-SUS contribuição importante no processo de qualificação da Estratégia Saúde da Família (ESF) baiana, de forma a sintonizá-la aos princípios do SUS e da Atenção Primária à Saúde.
Portanto, para a construção da política, o desafio posto é o seguinte: como implementar um padrão de qualidade na ESF sem exercer sobre os trabalhadores mecanismos de controle que os alheiem do trabalho? Ou, utilizando as palavras de Merhy (2002), como “levar os trabalhadores a utilizar seu espaço privado de ação em favor do interesse público (dos usuários).”.
O Contexto da Estratégia de Saúde da Família Baiana
A tarefa que, por si só, já é bastante complexa, complica-se muito diante da realidade em que se encontra a Atenção Primária baiana. A resolução da CIB 123/2009, que institui o Programa de Desenvolvimento Interfederado da Estratégia Saúde da Família, traz elementos importantes para a compreensão do cenário na atenção primária na Bahia que levam a estas e outras distorções:
“...cobertura populacional insuficiente, precarização das relações de trabalho dos profissionais de nível superior, a alta rotatividade dos profissionais nas equipes de saúde da família e seus efeitos negativos na qualidade da atenção à saúde, as dificuldades de realizar projetos municipais de educação permanente e a insuficiência de resultados e impacto na saúde da população...”
Soma-se a estas situações-problema o mercado de trabalho “predatório”, que promove um leilão e coloca como fator de barganha para a atração dos profissionais, dentre outras coisas, a redução da carga horária na Estratégia; e a formação em saúde ainda voltada para um modelo hospitalocêntrico e médico-centrado, que nos dá trabalhadores que desvalorizam o trabalho na Estratégia e/ou não dominam os conceitos e práticas necessários para desenvolvê-la com mais qualidade.
Neste cenário, o objetivo da política de gestão por resultados da FESF é, gradualmente, modificar a realidade do trabalho na Estratégia Saúde da Família – ESF – baiana, através da indução de práticas que caracterizam e qualificam a ESF.
O Sistema de Gestão por Resultados da FESF
Para esta indução, parte da remuneração variável, denominada Gratificação de Produção e Qualidade – GPQ –, é associada ao alcance de metas quantitativas e qualitativas, que são progressivamente complexificadas, de acordo com o desenvolvimento das capacidades e competências da equipe.
Na primeira etapa, denominada período de implantação, são induzidos, através de metas quantitativas referentes à produção em saúde, elementos básicos característicos da Estratégia, como: o cuidado longitudinal e continuado; o atendimento das demandas espontâneas; as visitas domiciliares; as atividades coletivas de promoção em saúde; e as reuniões de equipe semanais. Estes dados de produção são informados pelo próprio trabalhador, através de sistema on-line denominado Sistema de Monitoramento da Atenção Primária à Saúde (MAPS).
Ainda durante o período de implantação, são promovidos a ambientação e o reconhecimento sistemático do território pela equipe, a organização da agenda de forma integrada e baseada nas necessidades de saúde da população, a gestão compartilhada da clínica e o planejamento das ações em saúde de forma compartilhada com a gestão municipal e a comunidade. Os dispositivos responsáveis por esta indução, denominados produtos, são desenvolvidos e avaliados pela FESF, em um sistema de gestão compartilhada com os municípios (estes dispositivos estão disponíveis no Guia do Trabalhador, através do endereço eletrônico http://sistemas.fesfsus.ba.gov.br/guiatrabalhador/TrabESF/default.html).
Após o período de implantação, a gestão por resultados é mediada pelo Plano de Ações e Resultados em Saúde (PARES), que é realizado por trabalhadores e gestores (envolvendo usuários à medida que em que aumenta a maturidade da equipe).
Este plano consolida o diagnóstico realizado durante o período de implantação, levando à pactuação de ações e medidas entendidas como necessárias para a melhoria das condições e dos processos de trabalho e, consequentemente, melhoria do cuidado prestado à comunidade e potencialização das intervenções no território.
As metas e ações pactuadas neste plano passam, então, a ser as referências para o pagamento da GPQ ao trabalhador.
É importante ressaltar que as condições colocadas para o trabalho em saúde em cada equipe de saúde da família são muito diversas. Características do território e da comunidade, estrutura das unidades, processos de trabalho instituídos, vínculo com a comunidade, relação com a gestão, enfim, são inúmeros os fatores determinantes. Isto faz com que os desafios também sejam muito diferentes e modulem a produção do cuidado, tornando-a singular em cada contexto.
Portanto, este olhar constante para o processo de produção do cuidado, com análise dos avanços e dificuldades, com compartilhamento de responsabilidades e pactuação dos planos para a constante melhoria dos resultados em saúde é a verdadeira meta de uma boa política de gestão por resultados. Esta, sim, é uma meta que pode ser colocada para todas as equipes de gestão e do cuidado, atuando nos mais diversos territórios, garantindo, contudo, o respeito às singularidades dos processos de produção em saúde.
O desafio da gestão por resultados, portanto, não é estabelecer metas e padrões de qualidade que norteiem o trabalho em saúde, mas ser um dos elementos indutores da realização regular do planejamento em saúde e do compromisso dos atores com a pactuação realizada.